Red Dead Redemption 2: Review do jogo mais esperado de 2018. Monumental, define o RDR 2

Red Dead Redemption 2: Review do jogo mais esperado de 2018. Monumental, define o RDR 2

Red Dead Redemption 2 é monumental.

O tamanho de uma obra da estatura de Red Dead Redemption 2 é fácil de reconhecer em qualquer mídia que se preza a contar boas histórias. São obras que se propõem a concretizar uma tarefa um tanto quanto megalomaníaca: retratar, em seus devidos recortes, temas universais com a amplitude que eles merecem. São obras que, por trás da grandeza, também se revelam simples – e, por isso, tocam o interlocutor como poucas.

Essa mistura do simples com o complexo é o que o game da Rockstar faz de melhor. É, sem dúvida, um épico, mas é um épico contado em atos simples, conversas honestas em meio a longas cavalgadas. Um roubo de cada vez. Uma fuga de cada vez. Um teste de amizade de cada vez.

É uma história de um homem, Arthur Morgan, mas, tal qual o sertão que está em todo lugar de Guimarães Rosa, também é a história de um lugar, de um bando, de um estilo de vida. É uma história da própria História de um país: o Velho Oeste, esse período da vida americana que ganhou contornos mitológicos por meio da cultura popular.

E, como a história de um lugar, ela é contada de forma ímpar como um videogame, esse meio de contar histórias complexo, que depende de uma união intrincada entre ciências exatas e humanas e dos esforços de centenas de pessoas trabalhando até o limite(em alguns casos, além do aceitável em jornadas extenuantes e, muitas vezes, abusivas).

Os números falam por si só: mais de 500 mil linhas de diálogo, 1200 atores, oito anos de desenvolvimento. Mas é ao adentrar as selvagens terras americanas do fim do século XIX que temos a verdadeira noção do tamanho de Red Dead Redemption 2. E aí, não há como não constatar: a obra da Rockstar é, sem sombra de dúvidas, um marco.

Polígonos de carne e osso

A primeira coisa que precisa se entender sobre Red Dead Redemption 2 é que este é um jogo que pedirá o seu tempo. Em épocas de títulos de ação rápidos, de histórias rasas e de atividades repetitivas, a Rockstar faz da cadência um elemento vital para se ambientar neste mundo.

A maior parte das ações do jogo leva alguns milissegundos de botão apertado para ser executada. Seu personagem, na maior parte do tempo, é mais lento do que você gostaria – Arthur Morgan está mais para ser humano do que os super-heróis que estamos acostumados a controlar em videogames. A viagem rápida, recurso tão caro a um jogo de mundo enorme, é limitada: precisa ser adquirida e só vale da sua base para fora, nunca na direção oposta.

Red Dead Redemption 2 tem um ritmo próprio, e pede ao jogador que ele seja respeitado. Mas, ao mesmo tempo, também abre seu mundo a exploração de forma convidativa, sem segurar a mão do jogador por onde ele quer ir. Um bom exemplo está em missões paralelas, que precisam ser “descobertas” conversando com as pessoas, ou nos (muitos) eventos aleatórios que acontecem nas andanças de Arthur.

Criar um mundo que instiga o jogador não é exatamente uma novidade: The Legend of Zelda: Breath of the Wild o fez com maestria em 2017. Embora ambos compartilhem dessa característica, eles a alcançam por caminhos diametralmente opostos. Enquanto o título da Nintendo se constrói na mais absoluta simplicidade, Red Dead Redemption 2 vai pelo caminho da abundância.

Eu me dei conta disso enquanto estava em um acampamento.

Red Dead Redemption 2 é focado na gangue de Dutch van der Linde – a mesma que, no primeiro game, John Marston é forçado a aniquilar, membro a membro. Sempre na estrada, sempre a procura do próximo assalto ou golpe, o grupo quer juntar dinheiro o suficiente para realizar o sonho de sumir no decadente velho oeste americano, em uma época que a sociedade tenta impor o progresso “civilizatório” da indústria e do poder federal.

A relação entre os membros da gangue de Dutch se assemelha a de uma família e, portanto, seus vários membros compartilham momentos familiares. Eu já havia me aproximado da metade da história do jogo, com mais de 50 missões debaixo do braço. O grupo celebrava em uma fogueira, e eu posso conversar com quem eu quiser – o botão de foco, herança do primeiro Red Dead, foi repaginado para interações sociais entre o jogador e NPCs.

Foi aí que eu me dei conta: naquela altura, eu já havia conversado com aquelas pessoas várias vezes. Já havia compartilhado minha vida, e tinha descoberto muito sobre a vida deles. A maioria deles eram simples NPCs, como os transeuntes e moradores de vila que estamos acostumados a ver em qualquer jogo de mundo grande, e nenhuma linha de diálogo se repetiu.

O fato de um jogo ter mais de 500 mil linhas de diálogo é impressionante por si só, mas surpreende a escolha da Rockstar de dedicar boa parte desse roteiro ao trivial e ao mundano. O resultado é um cenário “vivo”, onde as coisas acontecem independentemente da interferência do jogador – esse santo graal que todo jogo de mundo aberto almeja.

Poucas vezes em um videogame eu tive essa sensação real de estar em um universo vivo do que naquele momento, em Red Dead Redemption 2. A cada conversa, a cada cavalgada, Arthur Morgan e seus comparsas pareciam cada vez menos personagens atuando em um cenário virtual, e cada vez mais pessoas vivendo suas vidas.

Um encontro de gerações

De forma geral, Red Dead Redemption 2 retrata a vida de um grupo de bandidos. Mas limitar as capacidades de Arthur e seus colegas a apenas isso seria subestimar muito do que o jogo tem a oferecer.

A história por si só, da maneira como é jogada, já impressiona pela variedade de caminhos e situações que raramente se repetem. O game da Rockstar foge da síndrome de garoto de recados e da interação puramente brutal que vemos no gênero.

Quem não se desviar da campanha vai assaltar banco, entrar em tiroteio, vai a baile de gala, vai jogar pôquer. Vai fazer favor pra ex, vai extorquir gente, vai se meter em briga de família. Vai vigiar criança, cuidar de cavalo e de bêbado. Vai se embriagar e embriagar um bar inteiro (sim, às variações etílicas são muitas e são intensas – afinal, é o velho oeste).

Mas, fora dela, Red Dead Redemption 2 se dedica ostensivamente a cada uma das atividades paralelas que permeiam o mundo. A caça e a pesca de animais, símbolo do primeiro jogo, retorna com uma quantidade de espécies variadíssima, respeitando habitats naturais e épocas do ano. Os cavalos que dão montaria e sustentam toda a locomoção pelo mapa tem uma gama de itens, acessórios e habilidades que fazem inveja a muito recurso de protagonista.

Quase tudo o que há para se fazer em Red Dead Redemption 2 passa por um nível de detalhe minucioso. Até mesmo coisas simples, como a sua aparência, tem um grau de complexidade: sua barba vai crescendo e você pode apará-la por partes – meu Arthur Morgan, por exemplo, ficou com um bigodão emendado nas costeletas de fazer inveja a Dom Pedro I.

A união de um número gigantesco de coisas a se fazer combinada a um detalhismo quase artesanal é um reflexo de como a Rockstar encara o mundo aberto, essa estrutura de jogo que a empresa ajudou a consolidar desde os primeiros anos de Grand Theft Auto e que hoje passa por uma intensa autocrítica.

Red Dead Redemption 2 consegue recriar uma sensação de que “existe muita coisa pra fazer no jogo” similar ao das épocas de GTA: San Andreas, levando ao limite o hardware existente. Aqui, a estratégia é a mesma, mas o feito é ainda mais notável, porque às máquinas existentes são muito mais poderosas e capazes do que as de 15 anos atrás. Na era dos múltiplos teraflops e dos gráficos em 4K, fazer aparelhos da capacidade técnica do PlayStation 4 e do Xbox One vira um ato de ousadia, já que o game da Rockstar é assustadoramente detalhado e bonito.

Das montanhas geladas aos pântanos quentes e úmidos, a paisagem do jogo fala por si só, em um nível de detalhe nas efeitos de luz e texturas que com certeza demandou um esforço hercúleo dado o tamanho do mapa. Mas Red Dead Redemption 2 brilha mesmo é nos pequenos detalhes. Retorno a cena da acampamento: em um momento, a gangue se reuniu em torno de uma fogueira e começou a cantar, com Javier Escuella (sim, o mesmo de RDR1) tocando violão. Para o meu espanto, até os dedos do mexicano estavam de acordo com as notas da música.

Passado, presente e futuro

Mesmo se passando 12 anos antes, Red Dead Redemption 2 guarda enormes semelhanças com o primeiro jogo. Enquanto a aventura protagonizada por John Marston mostrava os resquícios de uma época que ficava cada vez mais no passado, agora vemos como a derrocada do estilo de vida do velho oeste começou, e como as pessoas que viviam daquele jeito lutavam para viver a margem de uma sociedade cada vez mais interessada em se industrializar.

A história, que começa com Arthur, Dutch e sua gangue fugindo de um roubo que deu errado, mostra o grupo sempre na estrada, mudando seu acampamento de tempos em tempos, tentando escapar de agentes da lei e de outros desafetos. Enquanto percorrem os EUA em busca de um novo começo no oeste, o grupo vai fazendo os inimigos que voltariam para atormentá-los no primeiro jogo.

Mas, ao contrário de Marston, que ganha um foco muito maior em RDR1 por sua história de acerto de contas com o passado, Arthur Morgan atua mais como os olhos e ouvidos do jogador dentro da gangue. É claro que o novo protagonista tem uma personalidade própria – e é fácil se simpatizar com seu jeitão bronco -, mas essa função vem do próprio papel que Arthur representa dentro do grupo.

 

Braço direito de Dutch e um dos integrantes mais antigos da gangue, Arthur é visto como uma referência, como um homem que resolve as coisas (quase sempre apelando para a violência), o que faz todas as pessoas do grupo – que também inclui mulheres e idosos – a buscar sua ajuda. Isso dá a cada um dos integrantes da equipe uma chance de ocupar os holofotes, incluindo o próprio John Marston, com quem Arthur nutre desavenças.

Embora o próprio Arthur seja, a sua maneira, um observador atento e crítico da história, ele deixa os outros brilharem. Dutch, o antagonista do primeiro jogo, assume um dos papéis principais. Com uma língua afiada e um coração sonhador, devoto a uma ideologia de vida e brutalmente pragmático sobre os meios para atingí-la, o líder da gangue se revela uma das figuras mais complexas e interessantes do longo e celebrado rol de personagens já escritos pela Rockstar.

Tudo é muito bem embalado pela linguagem cinematográfica do faroeste, da qual Red Dead nunca se furtou em pegar inspiração. O uso da trilha sonora é particularmente especial nesse ponto, com músicas que pontuam muito bem cavalgadas solitárias ou momentos de tensão que antecedem um roubo, um combate importante ou uma emboscada.

Como toda boa história de faroeste, você vai trocar muitos tiros no decorrer de Red Dead Redemption 2. E talvez este seja o quesito em que o jogo menos apresenta mudanças, mas não deixa de ser muito bem executado. A cobertura ainda é parte integral dos tiroteios, exigindo que você avance sem deixar de se proteger.

Quem também retorna é o sistema Dead Eye, que coloca o jogo em câmera lenta e permite que você selecione pontos específicos para mirar, permitindo o disparo de tiros rápidos, eliminando vários inimigos de uma só vez. Red Dead Redemption 2 dá uma carga mais dramática ao Dead Eye ao colocá-lo em momentos de conflito, utilizando a mecânica para resolver uma desvantagem, como salvar um amigo rendido pelo oponente.

Muitos jogos tentarão replicar o que Red Dead Redemption 2 fez. Tentarão alcançar o tamanho de seu roteiro, ou vão buscar uma quantidade similar de atores. Tentarão diversificar suas missões, ou tentarão encher seu mundo com o mesmo número de atividades.

Primeiro, porque, sejamos justos, poucos estúdios no mundo tem os recursos, o talento e, principalmente, o respaldo do público para se dar ao luxo de elaborar um jogo por oito anos, com pouquíssima divulgação (mas intensa cobertura midiática), e ainda assim ser um dos jogos mais aguardados do ano. Na era da economia de atenção proporcionada pela internet, nenhuma empresa do mercado de games consegue atrair olhares com a mesma facilidade da Rockstar.
Segundo, porque, em uma era na qual o videogame como produto e como negócio é repensado nas duas pontas da pirâmide: por baixo, na crescente insatisfação sobre as brutais condições de trabalho que, a cada dia, descobrimos nos estúdios; por cima, na necessidade de fazer uma produção com tanto dinheiro envolvido render ao máximo, deixando cada vez menor os espaços para quem tem a coragem de colocar tanto tempo e tanto dinheiro num universo que, por maior que seja, tem um começo, um meio e um fim.

Nesse contexto, a chance de um jogo dessa magnitude aparecer é cada vez menor e mais difícil. Muitos tentarão. Poucos vão chegar ao seu nível de complexidade e tamanho. Mas, como Red Dead Redemption 2, talvez nunca haverá outro.